segunda-feira, novembro 06, 2006

Dos dilemas de que a política é feita...

Cada vez que sou confrontado com a necessidade de explicar porque sou de direita (e verifico nos olhos e no comportamento do meu interlocutor um espanto e um desconforto tais que lhe adivinho a incompreensão e uma enorme reprovação por tal opção) vem-me sempre à memória o episódio do dilema de Eneias (relatado por Virgílio, na Eneida). A cena ocorre no final de um túnel que o nosso herói teve de percorrer para descer aos infernos em busca de seu pai. A certa altura, no final do caminho, é confrontado com uma bifurcação: à esquerda viram os condenados, os destinados ao fogo eterno, pois só o caminho da direita conduz, após a travessia do rio Letes, aos Campos Elíseos e à salvação.

É absolutamente frustrante observar que, quando se pretende discutir se os serviços públicos são melhor prestados directamente pelo Estado ou através de organizações geradas iniciativa privada, tudo se pretenda reduzir à oposição entre a ambição (sempre confundida com o egoísmo e sempre apresentada como negativa e eticamente censurável) do sector privado e um suposto carácter bondoso que necessariamente sempre presidiria às acções do Estado... Como se este não estivesse condicionado, por um lado, pelo interesse egoísta dos decisores políticos que, estando a prazo, querem perpetuar-se na função; e, por outro, pelo não menos egoísta interesse corporativo dos agentes e funcionários do Estado que – para a satisfação dos seus interesses pessoais – condicionam, afectam e impedem a liberdade da análise, previsão e execução das políticas públicas.
São estes, os políticos medíocres e os dependentes da teta do estado, são estes os pequenos senhores deste pequeno "pantanal" em que, desde há uns anos, se tornou Portugal, São – quase sempre! – comandados por bandalhos acomodatícios, que se vendem a qualquer poderoso, servindo a qualquer senhor, desde que lhes conservem (ou ampliem) as – sempre imerecidas e intocáveis – regalias (naturalmente pagas pelos cofres públicos, pois que ninguém, no seu juízo normal, do seu bolso lhes daria mais que mínimo o exigido à Caridade). Todavia, lá se vão safando. E conseguem-no porque, espantosamente, compreenderam como manipular a arraia-miúda. Porque os assuntos e preocupações que despertam ou assaltam o interesse da arraia-miúda não surgem inocente ou espontaneamente. Quando lhe falam a jeito, é levada a extremos, porque a arraia-miúda é, nas mãos deles, o que sempre foi: porque acéfala, não pensa; porque emotiva, age irracionalmente. Ou antes reage condicionadamente aos temas que lhe escolhem e na medida das conclusões que lhe ditam. Porque, são sempre muito poderosos os métodos e os meios daqueles que muito poderiam perder com uma turba descontrolada e, por isso, a arraia-miúda, raramente percebe a tempo que foi enganada.
Mas como é desconcertante uma revolução, uma revolta em que a arraia-miúda – uma vez mais – enfurecida e controlada "p'los do costume", adopta o ridículo traje que lhe permite julgar-se composta por "soldados da vanguarda do futuro e protectores dos direitos adquiridos no Passado”. Porém, mais não são que uma chusma produtora de um brutal vozear que, no fim das "festividades" e acabado o "picanço", acalma e, pacificamente, regressa a casa, de mãos a abanar, mais pobre, mais indefesa, mais sozinha... Deixam, então, cair os (pseudo-)cabecilhas da revolta, e os ânimos acalmam. A arraia-miúda acerca-se em redor do "patíbulo sacrificial", aplaude a "justiça" e vaia os condenados. Naquele acto de cobardia regado com o sangue da violência, a arraia-miúda liberta-se dos seus próprios crimes passados e algumas impunidades que, precisamente, são fundamento daquela sentença sacrificial. Pura ilusão ou alívio oferecidos por esta oportunidade para uma catarse: no castigo aplicado aos outros escoa-se grande parte também dos crimes e pecados alojados no seu coração.

É a meio deste caminho que está o Governo de José Sócrates. José Sócrates e este PS foram-nos vendidos, com a colaboração não despicienda (e adivinho que politicamente não desinteressada) de Jorge Sampaio – e outros! –, como um bilhete de uma viagem que, prometeram, ser condição indispensável para nos arrancar ao mar de turbulência e sacrifícios propostos pelos governos de então. Uma vez mais se provou as consequências de se aceitar tentar fugir ao Presente, ao Real sofrido e dorido que é viver, e aceitar embarcar no canto das sereias com promessas de Futuros fáceis e risonhos. Agora que a maioria tomou, finalmente, consciência que a viagem não nos transportou ao tal destino... até porque ele não existia... começou a dominar o desnorte: quantos dos que votaram no PS de Sócrates estarão entre o tal terço de portugueses que quer hoje ser espanhol? Foram iludidos, embarcaram numa viagem que a todos transportou a um apeadeiro, porventura mais complicado: ainda com os velhos problemas, com novas contrariedades e agora com menos ânimo e menos confiança.
Haverá esperança? E quando houver… sabê-la-ão conhecer? E escolhe-la-ão?
por João Titta Maurício