sexta-feira, março 10, 2006

Utopias e realidades...

O senhor PedroSilveira acedeu a este blog e, simpática e educadamente (e é sempre bom estabelecer as diferenças), deixou este comentário:

"Na verdade tens razão: a resposta é óbvia.
É que a pretensa "igualdade de oportunidades" com que a direita suporta toda a sua ideologia liberal (ou melhor, não-socializante) tem um erro de concepção:simplesmente não existe, é utópica.
Tão utópico como uma sociedade de tipo comunista.
Agora espero a contra-resposta! :)"
Não sei se será do seu agrado, mas tentarei sintetizar a "contra-resposta" para a qual me desafiou (mas disponível para, querendo, tentar dar outro desenvolvimento) .
A igualdade de oportunidades não é uma concepção utópica na medida em que há lugares onde isso acontece... Já quanto à sociedade comunista, terá sido utópica? É que parece que aconteceu para os lados de lá da "cortina de ferro"...
Utopia deriva do grego "ou" (não) "topos" (lugar). Por isso, à letra, utópico é o que não existe em nenhum lugar ou sítio. Como sabe, foi Thomas More quem cunhou a palavra, querendo com ela referir-se à ilha Utopia, como aquele lugar que não existia. Não obstante, e porque não podemos esquecer as convicções que resultavam do seu catolicismo profundo (de facto ele deveria ser conhecido como São Thomas More - Santo e Patrono dos Políticos), quando ele descreve o tal lugar como edílico, ele, na prática, nada mais é do que a recorrente remeniscência do Paraíso relatado no Livro do Genesis, tão típica dos povos cujas culturas sejam profundamente subsidiárias de uma das três grandes religiões monoteístas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo).
Ou seja, poderíamos concluír - sem que me possam acusar de "forçar a nota" - que as "utopias" seriam puras tentativas de regresso ao estado de perfeita Comunhão com Deus...
Mas voltando ao seu desafio.
O conceito de igualdade de oportunidades não pode ser entendido no sentido pervertido (entenda-se como não original), pois este pretende uma igualdade positiva e aquele uma igualdade negativa (e, em ambos, não há a utilização de critérios éticos de avaliação). Isto é, o conceito original de igualdade de oportunidades destina-se apenas a "proibir a discriminação não aceitável", impondo a terceiros a abstenção de um ilegítimo agir obstaculizante. Ou seja, o acento tónico está na proibição de criação de obstáculos não razoáveis e ilegítimos no início (como se alguém, querendo, fosse impedido de tentar disputar a final olímpica dos 100 m apenas... porque sim). Diferente é a outra versão, a qual coloca o acento tónico na chegada. Isto é, a igualdade de oportunidades medir-se-ia por uma igualdade absoluta de condições de partida para todos os que o desejassem. Tal parece ser coisa não utópica mas, creio, absolutamente impossível (quer sob uma análise empírica ou racionalista) Imagine, de novo, a mesma corrida de 100m e reflicta:
- poderiam todos correr simultaneamente?
- poderia garantir a todos a mesma preparação ou condição física?
Aqui socorro-me de um dos mais interessantes e importantes gurus da moderna esquerda do Sec. XX (e XXI) John Rawls quando este reconhece que é impossível impedir a diferenciação de resultados, pois todos nós somos o produto das múltiplas e infindáveis variações daquilo a que ele (numa expressão muito clara e feliz) apelidou de "lotaria genética". Pois é aí que está a causa de todas as diferenças... de todos obtermos resultados diferentes. Não porque somos deliberada e ilegitimamente prejudicados, mas porque, não obstante a igualdade de oportunidades, cada um de nós coloca empenhos com intensidades diferentes, em tempos e oportunidades diferentes, com objectivos e capacidades diferentes. E é isso que proporciona resultados diversos.
Poderá replicar, dizendo que há uma desigualdade de partida entre uns e outros. Mas isso eu não nego. O que eu recuso é que (não sendo uma vantagem obtida ou uma desvantagem imposta de modo não razoável ou ilegítimo) tal seja injusto. Há tanta "injustiça" na fortuna de um Bill Gates, no sucesso desportivo de um Ronaldinho Gaúcho, no estrelato de um Robin Williams, ou no facto de de o meu pai ser um serralheiro mecânico extremamente dotado e eu ser um "perfeito cepo" em trabalhos manuais! Porque em todos os casos, o problema não está no sucesso por se ser inventivo, dotado ou competente, mas no modo como se usam esses dons e como se partilham os seus frutos.
Mas essa é uma outra história...
Espero que, de alguma forma, possa entender que eu haja conseguido responder ao seu desafio.
Cumprimentos,

3 Comments:

Blogger AV said...

«simpática e educadamente (e é sempre bom estabelecer as diferenças»

Isto é escrito, esta introdução ao post, por um dos mais mal educados opinadores que tive o prazer de ler, que adjectiva a torto e a direito os adversários, mas depois tem pele sensível quando leva de volta.

Não há nada que não o faça sentir-se insultado, quando muitos de nós é que nos poderíamos sentir insultados pela forma como gosta de se arrogar conhecimentos que não tem e de debitar opiniões similares a qualquer cassete vermelha, tipo carvalhada.

Realmente, os anos passam, mas quanto mais tarde, menos capacidade há para aprender...

E já sei, o dar a cara e tal,a coragem, tudo o que a malta do PC da Baixa também gosta de escrever. No fundo as duas faces da mesma moeda, da mesma trauliteirice argumentativa, da mesma intolerância fundamental com a crítica, o mesmo narcisismo com a pseudo-volúpia da razão pura.

Y Olé...

AV1

3:45 da manhã

 
Blogger João Titta Maurício said...

Agradeço a visita, mas, como calcularão, dá-me imenso prazer verificar quando uma carapuça incomoda tanto... e assenta-vos tão bem!
Aliás, pelo texto que aqui inserem, só tenho de agradecer por ser tão suficientemente exemplificativo do modelo de educação e nível argumentativo: nem uma palavra sobre o tema do texto!
Eu adjectivo os adversários? Parece-me que chamar canalhas a quem faz canalhices não é ofensa... é apenas dar nomes às coisas! Mas nunca o chamei a ninguém. Disse-o e repito: não posso senão chamar canalhas a quem matou ou mandou matar dezenas de milhões de seres humanos. E pouco me importa que usem bandeiras vermelhas com suástica ao centro ou foice e martelo no canto superior esquerdo. Autores de canalhices são canalhas... autores de homicídios são criminosos. E quando essas canalhices são cometidas por regimes ao serviço de uma ideologia quem, sabendo das canalhices e dos crimes, as resolve absolver ou adoptar vestindo-lhe a pele... não se pode queixar.
Agora, se chamei (e chamo) canalhas aos que se intitulavam nazis ou comunistas os AVP chamaram-me a mim. Se não percebem a diferença... é porque são caso perdido!
Por mim, podem continuar a aparecer e a verificar que, com respeito e honestidade intelectual, é possível discordar civilizadamente. Mas, para vós, a caravana já não parará mais... nem sequer para vos voltar a defender!

3:47 da tarde

 
Blogger AV said...

Isto é cómico, por várias razões:
a) Já abordei o texto em apreço no AVP, até referindo alguns pontos de contacto na posição expressa.
b) Nunca chamámos canalha ao autor do texto, já quanto ao inverso não se pode dizer o mesmo, pois temos comentários de JTM que vai muito mais longe do que isso.
c) Menoridade intelectual é falsear os factos para os adaptar ao interesse do momento (nomeadamente a adjectivação). Posso ter-lhe dirigido algumas críticas bem durinhas, mas "canalha" ou outras coisas bem piores, como fez quando apenas corrigi a grafia do seu nome, nunca dirigi a ninguém por escrito. Só mesmo cara a cara.
d) Ainda bem que me autoriza o regresso, pois se não fosse eu o pó ia-se acumulando por aqui e as teias de aranha fazem-me lembrar uma anedota pouco educativa.
e) Não nos defenda (ao AVP), se para isso tiver de faltar à verdade. Já se, apenas dizendo a verdade, acaba por nos defender, então que se pode fazer ?

AV1

8:07 da manhã

 

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