quinta-feira, abril 14, 2005

Entrevista ao Primeiro Ministro

Ao assistir à primeira entrevista do Eng. José Sócrates, desde que tomou posse como Primeiro-ministro, pareceu-me uma entrevista envergonhada e ensombrada pelo medo de dizer algo errado. Visivelmente nervoso, até quando era filmado de costas se via o tremelique constante da perna direita; parco em palavras, todas elas ditas de uma forma pouco natural e bastante calculista.
O Primeiro-ministro mostrou, ainda que timidamente, a sua garra quando afirmou triunfalmente que o seu Governo se “auto-limitava através da nova lei que regula a nomeação de altos cargos da administração publica”. Concretizou esta medida distinguindo ente cargos de confiança politica e cargos de componente tecnica eminentemente avaliados ao nível da competência. Nesse sentido, defendeu que apenas os Directores Gerais seriam cargos de nomeação politica. Esta parece uma boa medida, tendo em conta a equidade, só me questiono se não será ela tomada pelo Eng. José Sócrates para fugir ao estigma dos jobs for the boys do Eng. Guterres?
Outro dos temas abordados na entrevista foi o das renovações de mandatos de cargos públicos e a sua limitação. Afirmou o Primeiro-ministro ser um meio para evitar uma “excessiva instrumentalização do poder” afirmando mesmo que esta limitação já acontece quanto ao cargo de Presidente da Republica. Todos sabemos que em Portugal vivemos sobre um sistema de Governo semi-presidencialista em que a intervenção do Presidente da Republica assumem maior preponderância em épocas de crise, segundo os poderes constitucionais, o que só por si justifica a limitação do seu mandato, dada a sua relativa e pouco efectiva preponderância executiva ( uma preponderancia apenas extraordinàia). Contudo, os cargos executivos quer a nível local, quer a nível nacional, não devem estar sujeitos a qualquer limitação temporal, a Constituição está sobrecarregada de referências à soberania popular e nesse sentido é ao povo que cabe exclusivamente a limitação dos cargos dos seus representantes. Acresce o facto de no plano local a população ter uma maior relação com o trabalho do executivo camarário, cabendo-lhes a eles sim a “instrumentalização do poder” através do voto sem limite de mandatos.
Quanto aos referendos que se avizinham no nosso pais: quer o tendente à viabilização da Constituição Europeia, quer ao referente à legalização do aborto, o Eng. José Sócrates voltou ao início do debate, parco em palavras não desenvolvendo nenhuma ideia limitando se a dizer que respeitaria a opção do Presidente da Republica. Apenas desenvolveu uma ideia já conhecida quanto à sua posição sobre a temática do aborto, em que vê na legalização um combate ao aborto clandestino e por outro lado reafirmou a vontade de “colar” o referendo sobre a Constituição Europeia e as eleições autárquicas. Antes de mais, exige se de um líder executivo que tenha uma opinião sobre qual o melhor calendário para os referendos que propões, ainda que não seja uma opinião pensada com os membros de governo ao menos uma opinião pessoal, isto não obstante ter de se conformar com o calendário definido pelo Presidente da Republica. Na temática do aborto penso que não é legalizando que se combate o aborto clandestino, dado existirem filas de espera em Portugal para operações bem mais necessárias e vitais que um aborto. A “colagem” das duas votações num mesmo dia é um outro mau pensamento, isto porque um referendo que têm a importância de uma referendo que será feito em todo o espaço europeu e que reside na capacidade constitucional da União Europeia e de inclusive uma primazia do Direito Comunitário face ao português exige tempo de reflexão e exige clareza, o que exclui qualquer junção. Ou seja, não interessa apenas combater a abstenção se quem vota não sabe ao certo o que vota.
Foi igualmente abordada durante a entrevista, a questão relativa à alteração às férias judiciais, de três para apenas um mês. O Primeiro-ministro apresentou esta solução como sendo um oásis num deserto para a resolução da morosidade da justiça portuguesa. Lamento, mas não podia discordar mais desta forma de ver as coisas. Se a justiça portuguesa fosse morosa por uma questão de meses acredito que esta medida conduzisse a fantásticos resultados, no entanto todos sabemos que não são meses mas são anos de duração de processos judiciários. Ora reduzir as férias aos magistrados, que diga-se são das classes profissionais que efectivamente mais trabalha no panorama português, não passa de uma maneira superficial de ver o problema e de o tentar resolver, é a resolução pela rama e não na questão de fundo. O que faz falta no sistema de justiça português, não é o aumento do tempo de trabalho dos magistrados e a consequente redução das ferias, é, antes, a morosa formação dos magistrados que só o conseguem fazer por volta dos trinta anos na melhor das hipóteses. A resolução da justiça portuguesa passa forçosamente por uma revisão da formação da magistratura, que seja mais directa e precisa à realidade pratica do que a leccionada, nas faculdades de direito, ao comum dos juristas.
O tema que esta entrevista não podia, de modo algum, deixar passar prendia-se com as presidências, dada a mais que assumida candidatura de Guterres a Comissário das Nações Unidas. Tendo em conta que Guterres era a escolha para Belém, proveniente do largo do Rato. A este tema o Eng. Sócrates assumiu a candidatura de Guterres para Comissário e guardou a decisão de um substituto para outra altura. Ainda assim, houve uma curiosa troca de posições no discurso de Sócrates, desde a saída de Durão Barroso até hoje. Na altura a saída foi uma péssima escolha e uma hipótese de fuga e nunca um lugar honroso para Portugal, sendo o Presidente da Comissão Europeia, no entanto hoje a alteração da candidatura de Guterres de Belém para as Nações Unidas já é um cargo que muito honra Portugal. Que pasmem os mais atentos mas um Comissário enobrece o país mas a presidência da Comissão parece que não.
Em suma, desta primeira entrevista retira-se a imagem de um Primeiro-ministro nervoso, a tremelicar a perna, calculista, ao ponto de calcular cada gesto. Tudo isto de modo a evitar criticas dos média e a mostrar levar pensado tudo o que diz, lição que deve agradecer ao Dr. Santana Lopes que lhe mostrou como o improviso pode ser uma enorme asneira.